quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Poderíamos.

Poderia ser num toque.
De mãos, de lábios.
Um toque de cumplicidade
Dos nossos corpos sábios.

Poderia ser num grito.
De desespero, de aflição.
Um grito do fundo
Da nossa alma sem perdão.

Poderia ser num olhar.
De denuncia, de entendimento.
Um olhar de céu
Do nosso carregado pensamento.

Poderia ser num gesto.
De suavidade, de violência.
Um gesto de lavado
Do nosso ego em evidência.

Poderia ser num toque,
Mas nunca me tocaste.
Poderia ser num grito,
Mas nunca me gritaste.
Poderia ser num olhar,
Mas nunca me olhaste.
Poderia ser num gesto,
Mas nunca me mimaste...

Poderíamos ser o que nunca fomos,
Sairmos do que somos:
Estes opostos gomos
Na mesma fruta que torna sem donos
Nossos corações que como fornos
Nos vão derretendo,
Queimando,
Até ficarmos cinza.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Sentidos.

Vejo o céu azul
E a cor do vento,
Sinto o salgado do mar
E o gosto do meu lamento.

Sei por onde navegam as rochas,
Onde ficam as caravelas,
O que querem os pássaros
Que pousam nas janelas.

Oiço uma cantiga
E uma pintura,
Uma parede nua
Onde só vive verdura.

Toco nas rugas do pensamento
E no som do descanso,
No vazio da sala
Onde cheio de dor, danço.

Só não sei quem sou,
O que quero,
Não me sinto nem me dou
Ao que realmente espero.
Não me oiço nem me vejo,
Não me sinto nem alcanço
Este desejo,
Que é sentir o gosto do teu pranto.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Porque...

Porque existe alegria,
Dentro do coração,
E que desce sempre fria
Querendo um empurrão.

Porque existem momentos de sorte,
Que num piscar de olhos
Se transformam em morte
E põe do avesso o nosso norte.

Porque existem aquelas pessoas especiais,
Aquelas a quem nunca dizemos não,
A quem damos sempre mais
Do nosso terno coração.

Porque existem amigos do peito,
Que vibram connosco na loucura,
Que sempre que é preciso estão a jeito
E nem precisamos de estar há procura.

Porque existem olhares que substituem mil palavras,
Que nos deixam enternecidos
Ou que nos põe em alta as armas,
Matando os olhares que falam adormecidos.

Porque existem sonhos que se seguem,
E outros que morrem sem saírem,
Que se desvanecem
Sem nunca partirem.

Porque existe vontade,
Força para lutar,
Para alcançar a verdade
Por mais dura que seja, apenas para durar.

Porque existe esperança,
Aquela esperança cega
Que nos tira a força no meio da dança
E a verdade não nos nega.

Porque existem pessoas engraçadas
Que para rir basta sorrirem,
Pessoas desgraçadas
Que sem dentes não passam sem mentirem.

Porque existem amizades
Que valem todo o esforço,
Pois nas adversidades
Elas salvam nosso corpo.

Porque existem bons momentos,
Fulgorosos ou pacíficos,
Momentos sedentos,
Momentos terríficos.

Porque existem pessoas que são mais que tudo,
Que nos levam até onde nunca havíamos chegado,
Que nos deixam num fundo
Quando saem de nosso lado.

Porque existem sorrisos entre a tristeza
E em breves segundos saímos da vida,
Sorrisos de leveza
Que apagam a vida perdida.

Porque existem loucuras no meio do nada
Que num sopro surgem
E numa volta já larga
Nos sacodem a ferrugem.

Porque existem lembranças
Das boas e das más situações,
Dos velhos, das crianças,
E também dos bebés chorões.

Porque existe diversão
E nada mais importa,
Quando o barulho estremece o chão
É só fechar a porta.

Porque existe a doidice genial
E dum rabisco sai uma obra,
E pensando que é divinal
Ignora-se uma ou outra dobra.

Porque existem abraços inesquecíveis,
Suaves, apertados,
Toques imperdíveis
De impossíveis enamorados.

Por tudo isto e muito mais
Ficarei sempre atento,
Olhando o vento
Deste meu portentoso cais.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Corpo. Alma.

Deito o corpo
Que não descansa desde muito.
Que anda louco,
Faminto...
Doido por descansar
No regaço do sono
Que lhe dará que pensar
Em torno de seu dono.

Ou dona?
Será o corpo servo da alma?

Descanso a alma,
Pouso no chão frio minha palma,
Minha mão esfria com calma:
Serenidade, quietação.

O corpo pede perdão,
A alma diz que não:
"Salvar-te-ei se desculpado não fores.
Aquando redimido
E na pele sofrido minhas dores,
Terei meu destino cumprido.
Aí, vou partir."

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Saudade.

Saudade do que nunca tive,
Do que nunca ouvi,
Do que nunca senti,
Saudade do que nunca perdi.

Saudade do anseio
Que me percorre no meio
Do receio que creio
Ser na verdade o meu passeio
Sem fim.

Releio páginas escritas
Do passado,
Palavras não ditas
A quem reveste meu fado.

Saudade dos tempos que vão,
Da serena felicidade
No terno serão
Que é próprio da tenra idade.

Saudade do que quero
Deste incompreensível império,
Onde olho minha face e desespero
Por saber que meu precioso coração é visto como um vulgar minério.

É a saudade,
A saudade do que sempre foi minha vontade...

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

A viagem...

Veloz sem se ver,
Quente sem se tocar,
Triste com o olhar,
Triste sem perceber.

Trocaria mil voltas num passo,
Num passo breve e curto,
Por um forte abraço,
Por um leve repuxo.

Romaria a mil portas
Se preciso fosse,
Levantaria minhas mãos mortas
A quem me dissesse teu nome doce.

Olhar-te-ia com aqueles olhos,
De fresco fulgor,
De terno amor,
Os olhos sem dor...

Pois se possível fosse,
Ter teu nome doce
Em meu colo enxuto,
Falaria em bruto
Este som mudo.

Como se pudesse ser...
O meu coração ver
O que os olhos estão a perder.

domingo, 12 de agosto de 2007

Viver. [Nada derramado.]

Viver,
Ter vida e existir,
Durar...
Habitar e resistir.

Viver é comportar-se,
É Nutrir-se, alimentar-se.
É ter relações,
Consagrar a vida,
Passá-la em serões.

Definições existem,
Mas não aceito
Que não me deixem viver a preceito.
Quero soltar o fogo
Que em mim arde,
Quero tardar o sono
Que me desfaz a tarde.

Sinto que não sou compreendido,
Não me são justos
Os que mais justos me deveriam ser,
Estou a perder...

Sou apanhado por uma flecha,
Que mesmo não sendo para mim,
Abre uma brecha,
Deixa-me um vazio sem fim...

Vingarei este nada derramado,
Serei amargo,
E não mais o tardo
Pois beberei o leve travo,
Deste nada derramado.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

(Des)controlado.

Ao som do nada,
Ao toque da mão,
Não vejo nada,
Não mereço perdão.

Meus braços mexem,
Não lhes peço,
Reviro-me e eles crescem,
Encolho-me e já não os meço.

Aventuras paradas,
Segredos amarrados,
Escavo nas entradas,
Encontro os errados.

Singela madrugada,
Teima em surgir,
Todo o dia, após a noitada,
Faz-me em sangue esvair.