quinta-feira, 29 de maio de 2008

Momentos em nada envoltos. [Ignorância]

O raiar,
O falar sem parar,
O beber água,
A mágoa,
Um olho semi-cerrado,
Um velho sentado,
Uma gargalhada,
O nada,
Um laço,
Um traço,
Uma mala aberta,
Uma criança desperta,
Caramelos numa taça,
Uma praça,
O apertar de mão,
O tocar num corrimão,
O céu despido,
Um rapaz perdido,
Uma folha,
Uma garrafa sem rolha,
Metade de um fruto,
Uma senhora de luto,
Grades,
Frades,
Caminhadas longas,
Pedras soltas,
Barulhos,
Orgulhos,
O perder de vista,
O descobrir uma pista,
Olhar de lado,
Sorrir atravessado,
Abraçar fortemente,
A dor,
O pôr.

São objectos soltos,
Momentos em nada envoltos,
São olhares cruzados,
Toques desviados,
São visões em charcos secos,
Importâncias jogadas a becos
Que rolam debaixo de nós
E de uma forma atroz
Saltamo-las sem pensar,
Ignorando tudo ao passar,
Embora possuindo beleza,
Olhamos com uma falsa destreza
O simples, que afirmamos despovoado:
Mas nada pode ser mais belo que um velho sentado.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Lágrimas doces

Os sorrisos efémeros
Das bocas sem dentes
São os que mais espero
Que sejam permanentes.
Só se vêm as lágrimas
Sem sal, pelas faces,
Que no meio das rugas, pálidas,
Encerram um naipe de ases.
São o fim de um jogo
Cheio de batotas,
Que num último desaforo
Perdem os cordões de suas botas.
Toda a vida
Lhes protegeram os pés de gelar
E ao fim de anos a acumular
Acabam por perdê-las e abrir a ferida.
Julgavam-na inexistente,
Mas agora, só com um olho aberto,
Olham-na de frente
Pois não há como negar o que é certo.
O final já não permite mentir
A quem já nem pode sorrir,
Só resta receber com a boca salgada
As lágrimas doces.